Amedée Gordini – Ítalo Francês – O Bruxo Azul

Amedée Gordini – Ítalo Francês – O Bruxo Azul

Vários homens ficaram conhecidos no mundo da política, do cinema e da música por suas atuações brilhantes. E adotaram um país, mudaram de nome e a maioria das pessoas acha que, após o sucesso, eles nasceram mesmo neste. Casos de famosos no mundo do cinema e da música como os de Yves Montand que nasceu na Itália, de Charles Aznavour que é de origem Armênia e do ex-presidente Valéry Giscard d’Estaing que nasceu em Coblence na Alemanha quando seu pai estava a serviço do governo francês em território germânico foram comuns. Acima Alpine A440-1 Renault-Gordini V6 1997 cm³ que foi pilotado por Bernard Darniche em Hockenheim em 1974

No mundo do automóvel não foi diferente. Um homem marcou muito o mundo das máquinas velozes com seus carros azuis no século passado. Este homem foi Amadeo Gordini que nasceu em 23 de junho de 1899 na cidade de Bazzano nos arredores de Bolonha no norte da Itália. Muito jovem ficou órfão de pai e mãe e foi conduzido pelas entidades a trabalhar como aprendiz de mecânico numa oficina Fiat. Por obra do destino um de seus primeiros instrutores foi Edoardo Weber que ficaria mundialmente famoso pela marca de carburadores que levaria seu nome e equipou as melhores marcas do mundo. Apesar da diferença de idade, o engenheiro Weber, dez anos mais velho, se tornou amigo do jovem Amedeo.

Amedeo continuava sua carreira de aprendiz com sorte, pois sempre arranjava trabalho em empresas de renome e fazia parte da equipe de gente graúda do meio automobilístico.  Em 1913 estava trabalhando na Isotta Fraschini que estava sob a batuta de Alfieri Maserati, um dos irmãos fundadores desta famosa empresa de carros esporte. Acima um modelo de 1938

Após a Primeira Guerra Mundial, terminada em 1918, o jovem mecânico e piloto começava a fazer preparações especiais em carros Fiat e os inscrevia em competições regionais. Fazia alterações em carburadores, distribuidores e cabeçotes. Já começava a apresentar seus dotes. No final desta década e no início da década de 20 ele trabalhava numa das mais afamadas empresas automobilísticas e aeronáuticas. Era a Hispano-Suiza que tinha uma filial importante em solo francês

Chegou a Paris em 1925 e ficou maravilhado com a cidade luz. Tão encantado que fixou residência, mudou de nome e se naturalizou francês. O homem Amedée Gordini se instalou em Suresnes, cidade que agrupava várias indústrias e faz parte da conurbação parisiense. Em sua oficina com poucos recursos financeiros, mas muitos cerebrais, preparou um de seus primeiros sucessos: – O pequeno e eficaz Fiat Balilla 508 S com quatro cilindros em linha, 995 cm³, alimentado por um carburador simples e desenvolvendo 36 cavalos. Com este ganhou o famoso Bol d’Or que na época, além das motocicletas, admitiam-se automóveis de pequena cilindrada. Pilotando também venceu na Bélgica no mítico circuito de Spa-Francorchamps e na França em Reims e em Miramas que fica na região da Provence. Abaixo um modelo Gordini Type 11 1946

Em meados da década de 30 conhecia seu patrício e dono da Simca Henri Théodore Pigozzi. Com ele formaria uma parceria bem sucedida que começaria com o Simca 5 em 1937. O modelo com carroceria especial mais leve era conversível e na parte mecânica uma das novidades era o cabeçote era em liga de alumínio. Tinha como objetivo os ralis e também os recordes mundiais normalmente enfrentados no anel externo do circuito francês de Montlhéry. Neste, o pequenino Simca 5 de aparência frágil bateu o recorde importante. Em 48 horas percorreu 4.950 quilômetros a uma média de 103 km/h. A partir deste feito ganhou o apelido de Bruxo (Le Sorcier) do jornalista e engenheiro Charles Ernest Faroux que editava o jornal La Vie Automobile e foi um dos criadores das 24 horas de Le Mans. O Simca 5 ainda ganhou, em sua categoria, esta prova em 1937.

Em 1938 e 1939 o Simca 8, acima, quase idêntico ao Fiat italiano Millecento, foi inscrito em Le Mans, também com preparação especial, porém mais conservadora na parte externa. Outra vez ganhou na categoria 1,1 litro e ficou em nono lugar na classificação geral. A potência original do motor de 1.100 cm³ era de 32 cavalos, porém o bruxo fez com que ela fosse elevada a 65 cavalos.

Passada a Segunda Guerra Mundial as corridas voltavam pouco a pouco na Europa. O incansável e apaixonado por mecânica Amédée já tinha sua própria oficina e de lá saiam os monopostos com 1.490 cm³, duplo comando de válvulas, compressor, suspensão independente com barras de torção, rodas raiadas e chassi tubular. Era um charutinho, um carro pronto para disputar os Grand-Prix da nova era e, com a saída da Talbot, pintava seus carros de azul, as cores oficiais francesas no mundo esportivo. Abaixo um Simca 5 Gordini 1935

Os pilotos que corriam com seus carros eram Jean-Pierre Wimille, Robert Manzon, Maurice Trintignant e Jean Behra. Todos franceses.

Em 1948, nos treinos de classificação para o Grande Prêmio de Reims, Maurice Trintignant sofria um grave acidente que o afastou das pistas por quase dois anos. Para ocupar o banco do mono-posto Amédée Gordini deu lugar a um piloto que poucos anos depois seria uma celebridade. Era Juan Manuel Fangio que pilotou o carro azul de número 22. No mesmo ano, nas mãos de Pierre Veyron e Jose Scaron ganhou as 24 Horas de Spa-Francorchamps.

Em 1949, no Grande Prêmio de Marselha, Fangio tornava a colocar o Simca-Gordini em primeira posição. Neste ano e em 1950 em quase todas as competições em sua categoria a vitória do Simca foi gloriosa, vencendo em mais de 200 provas, porém o sonho do bruxo era muito maior e desejava entrar para uma categoria superior.

O ano de 1951 seria muito importante para a carreira da equipe Azul. O contrato com a Simca era rompido, Aldo, filho de Amédée nascido em 1921 começava a pilotar os carros de seu pai e eles mudavam suas instalações para a privilegiada região do Boulevard Victor Hugo em Paris.

De sua prancheta nascia o seu primeiro motor com seis cilindros em linha, 1.987 cm³ (75x75mm) com duplo comando de válvulas no cabeçote e alimentado por três carburadores Weber despejando 175 cavalos de potência. Com tração traseira e caixa de quatro marchas sincronizadas era um carro para enfrentar corridas de longa duração. Com este carro, chamado de T16, Jean Behra e Robert Manzon enfrentaram a Ferrari, o Cooper inglês e a Maserati no campeonato oficial de Fórmula Um. Como sempre faltavam recursos para que Amédée aperfeiçoasse seus carros. Eram rápidos, estáveis, mas por vezes não tão robustos.

A luta continuava e em meados de 1953 o modelo “Barquette” 36S dava seus primeiros rugidos. Desta vez o motor era um oito cilindros em linha com 2.982 cm³ e potência de 220 cavalos a 6.000 rpm. Já naquela época Gordini fazia questão de estética em seu motor. Gostava de vê-lo bonito, imponente e brilhante. O cambio tinha cinco marchas sincronizadas e conforme as relações usadas, a velocidade final ficava entre 240 e 280 km/h. O chassi deste carro foi concebido tanto para receber uma carroceria para correr provas de Fórmula Um quanto para o Campeonato Mundial de Marcas.

Neste ano o belo carro azul conseguiu o sexto lugar na prova de Caen e foi muito bem sucedido na Volta da França. Venceu as etapas de Brest, Le Mans, Rubaix, Reims, Nancy, La Turbie e Nice sagrando-se primeiro na classificação geral nas mãos de Jean Behra. A equipe ficou eufórica e entusiasmada para enfrentar a Fórmula Um.

Porém no ano seguinte perdeu muito mais que ganhou e acumulou vários azares. Um deles, inusitado, foi que o carro foi brutalmente deslocado a bordo de um navio por causa de mau tempo. A carroceria foi seriamente danificada. Este fato ocorreu perto de Agadir no Marrocos onde as corridas eram freqüentes. Mesmo assim chegou em segundo lugar na prova atrás da Ferrari 375 MM de Piero Scotti.

Terminou sua carreira nas pistas em 1956 vencendo em Montlhéry nas mãos do franco-brasileiro Hermano João da Silva Ramos.

Por causas de insucessos e poucos prêmios às dificuldades financeiras estavam de volta a porta da Garagem Gordini no Boulevard Victor Hugo. Apenas dois exemplares deste último modelo foram construídos e um deles foi vendido a importante autora de livros Françoise Sagan para que Amédée Gordini pudesse quitar suas dividas. Era uma ajuda de uma jovem que teria uma carreira brilhante e adorava carros rápidos.

O homem desistia de sua batalha individual nas pistas e em 1957 assinava um acordo com a estatal Renault. Estava encarregado do serviço de competição e tinha como missão inicial tornar o Renault Dauphine um carro com capacidade de enfrentar os severos ralis da Europa.

O guru modificou o comando de válvulas, redesenhou o coletor de admissão e de descarga e trocou o carburador passando o diâmetro de 28 para 32 mm. O propulsor com 1.093 cm³ recebeu 10 cavalos a mais gerando 40 ao todo. Sua velocidade final era de 140 km/h. Ganhou em 1958 o Rali da Córsega e o importantíssimo de Monte Carlo.

Quatro anos depois, no Salão de Paris era lançado o R8 um sedã pequeno e pacato sem maiores pretensões. Porém foi dada a tarefa a Gordini de transformá-lo em um carro veloz, estável e acessível para quem desejasse emoções fortes e também quisesse se iniciar nas competições. Em 1964 era lançado o Renault 8 Gordini que faria um sucesso que nem o presidente da empresa nem o próprio Gordini esperava.

A versão preferida dos compradores era na cor “Azul França” que tinha também duas faixas brancas sobre o capô, a capota e tampa traseira. Apelidado carinhosamente como “Gord”, o carrinho que chegava fácil aos 170 km/h em sua primeira versão e a 175 naquela que foi vendida até 1971, enfrentava nas auto-estradas e nas pistas carros bem mais possantes. Foi um dos maiores orgulhos e Amédée e foram produzidos cerca de 12.000 exemplares. Aqueles que tinham a versão R8 normal chegavam a pintar seu carro de azul fazendo uma falsificação. Abaixo um Alpine A212 V8 1966

Vários pilotos franceses famosos na década de 70 começaram com um Renault 8 Gordini na Copa Gordini de 1966. Foram nomes como Jean-Pierre Jabouille, Jean-Pierre Jarier e Michel Leclère que foram para a Fórmula Um e renomados dos Ralis como Jean-Luc Thérier, Jean-Claude Andruet, Bernard Darniche e Jean Ragnotti só para citar os mais conhecidos por aqui.

Também levou seu nome o sucessor R12 e R17 Gordini. Os Alpine de Jean Rédélé também levavam o nome Gordini na tampa do cabeçote.

A aventura Renault na Fórmula Um iniciada em 1977 com o modelo RS01 V6 com motor de 1,5 litro com turbo – compressor também levava o nome Gordini.

Em 1978 os franceses Jean-Pierre Jaussaud e Didier Pironi levaram o Alpine Renault A442 ao lugar mais alto do podium nas 24 Horas de Le Mans. Abaixo um Fórmula Um Renault RE40

Um ano depois o homem apelidado carinhosamente como o bruxo do bem faleceu aos 80 anos de idade, mas a lenda ficou. Até hoje é venerado na França e foi amigo e muito comparado durante sua vida a Karl (Carlo) Abarth.

Ganhou em vida uma das maiores condecorações francesas, a Légion d’honneur entregue aos homens que honraram a pátria.

Seu corpo repousa hoje no Cemitério de Montmartre e no bairro onde sua oficina funcionou existe a Praça Amédée Gordini. Foi um homem que amou os carros e as corridas de forma intensa.



Texto, fotos e montagem Francis Castaings. Fotos de divulgação e publicadas no site

© Copyright – Site https://site.retroauto.com.br – Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução de conteúdo do site sem autorização seja de fotos ou textos.

Volte a página principal do site