John Zachary DeLorean: O Homem de Detroit a Belfast
O mundo do automóvel está cercado de cidades símbolos muito importantes. Na Itália falamos de Milão e nos vem a cabeça os belos Alfa Romeo. No mesmo país Torino nos traz a Fiat, a Abarth, e a Lancia. A Ferrari está na mítica Modena. Na Inglaterra temos em Coventry a sede da Jaguar e da Hillman nos anos 60 e Crewe até hoje abriga os Bentley. Na França Sochaux é sinônimo de Peugeot e na Alemanha Stuttgart para a Mercedes Benz e para a Porsche. Nos Estados Unidos durante vários anos o centro nervoso sobre quatro rodas foi Detroit, capital do Estado de Michigan no norte do país.
Ela foi fundada em 1701 por um aventureiro francês, Antoine de Lamothe-Cadillac, que teve seu sobrenome estampado nas chapas de aço de um dos maiores carros de prestígio americano. Estão lá até hoje a Ford em Dearborn que faz parte da região metropolitana de Detroit e também a sede da General Motors que reunia a Chevrolet, a Oldsmobile, a Buick, a Pontiac e a GMC.
E foi lá também que nasceu um homem muito importante que fez parte do mundo automobilístico mundial: – John Zachary DeLorean que nasceu em 6 de janeiro de 1925 e era filho de Zachary Delorean de descendência romena e sua mãe Kathryn Pribak que era de origem húngara. Viviam numa pequena casa de classe média baixa. John era o mais velho dos três irmãos. Desde cedo se mostrou um bom e aplicado aluno com destaque para as ciências exatas. O pai operário das fundições da Ford de uma forma ou outra influenciou a carreira do filho.
Seu ensino médio foi na Cass Technical High School em Detroit que por coincidência teve também outro prestigiado aluno que amava automóveis: Preston Tucker.
Entre 1942 e 1945 prestou serviço militar, serviu na guerra com gualhardia e teve que interromper seus estudos BS Mechanical Engineering, Lawrence Institute of Technology. Terminou em 1948 e em 1950, aos 25 anos, estava sedento por mais conhecimento e ingressava no MS Automotive Engineering como era chamado o Chrysler Institute.
Em 1956 já sabia dos problemas da companhia que partilhava as mesmas linhas e plataformas com a Studebaker e recebeu um convite para trabalhar na maior empresa dos Estados Unidos e maior produtora de automóveis do mundo. Era a grande chance de uma bela e famosa carreira na General Motors. O convite veio de Semon E. “Bunkie” Knudsen. Este homem era graduado em engenharia no Instituto de Tecnologia de Massachusetts e filho de um ex-presidente da General Motors, William S. Knudsen.
Bunkie era o responsável pela divisão Pontiac e há muito seguia e se interessava pelos trabalhos de jovens engenheiros. Era um homem treze anos mais velho que John Zachary, mas apesar da pouca diferença de idade, sabia “caçar” talentos para o grupo.
A Pontiac na época era tida como a marca de carros para senhores sisudos e sérios. Quem gostava da marca eram os tradicionais, não havia gente nova e essa fleuma tinha que ser mudada. A Chevrolet era a mais popular, a Buick e a Oldsmobile tinham seu publico cativo e a Cadillac era para os sofisticados. Faltava esportividade com jovialidade, mas discrição sem ter que ousar demais e aproveitando o uso de componentes de marca. Eram muitos e poderiam diversificar.
Em 1957 a Pontiac tinha o Bonneville, o Catalina, o Skychief, o StarChief em versão sedã, cupê, conversível e a Station Wagon Safári.
Os primeiros anos na Pontiac foram bons, pois DeLorean aperfeiçoou a mecânica dos automóveis na parte de transmissão, caixas de marchas mais rápidas, diferenciais mais fortes e freios mais eficientes. Em 1961 já era o chefe da divisão de engenharia.
Um novo projeto estava em andamento e DeLorean estava engajado neste. Era o novo compacto Pontiac Tempest. Como o Catalina, de porte maior, renovado na mesma época, já apresentava uma nova marca que se prolongaria por anos, a grade da frente separada.
Em 1964 um carro foi lançado sob a tutela deste engenheiro audaz mudaria o cenário automobilístico americano e o comportamento do comprador. O pacato modelo Tempest recebia a denominação GTO e se tornaria o primeiro Muscle Car americano. Recebia um potente motor com oito cilindros em “V” e 389 polegadas cúbicas, cerca de 6.372 cm³. Estava longe de ser o sedã mais rápido do mundo, pois do outro lado do Atlântico estavam o inglês Jaguar MKII e o italiano Maserati Quattroporte. Eram de categorias diferentes, mas fez surgir nos Estados Unidos toda uma nova tendência de carros “compactos” para os padrões de lá como motores de grande deslocamento volumétrico e muitos cavalos de potência. Dentro do próprio grupo a Buick, Oldsmobile e a Chevrolet seguiram a receita a risca como também as concorrentes Chrysler, Ford e American Motors.
Em 1965 DeLorean colhia frutos, pois era nomeado diretor geral da divisão. Estava com 40 anos, tinha muito prestigio no meio empresarial e também na alta sociedade americana. Seu nome e seu rosto eram vistos em revistas e semanários famosos da época como Time, People e até na Rolling Stone. Fazia muito sucesso em Nova York e em Los Angeles na jovem e próspera Califórnia.
A linha Pontiac neste ano era composta pelo Tempest, com vários tipos de carrocerias, o Le Mans, o GTO, o Catalina, o Star Chief, o Boneville e o Grand-Prix. Todos tinham estilo semelhante, vários tipos de carroceria e motores para atenderem uma vasta clientela.
Em 1969 a dupla Pontiac GTO e Firebird tinham enorme sucesso junto aos jovens. O Le Mans, também de responsabilidade de DeLorean era muito bem vendido. Neste mesmo ano ia para o segundo casamento, com a irmã do ator hollywoodiano Mark Harmon, a bela e também atriz Kelly Harmon. Também seria colocado no posto de diretor da Chevrolet que era a principal divisão do grupo GM. O Status era grande assim como a responsabilidade, pois estava incumbido de renovar o esportivo Chevrolet Camaro e também lançar o pequeno Vega que tinha como principal responsabilidade enfrentar os japoneses que estavam chegando com muita força.
Bunkie não estava mais com as rédeas da GM e comandava bem a concorrente Ford. No seu lugar estava Edward Nicholas Cole que era o pai do Chevrolet Corvair.
Este homem sério e trabalhador era muito centralizador. Gostava de ter o poder nas mãos e controlava todos os seus subordinados com muita vigilância o que não agradava a DeLorean que se entediava muito numa função de pouca criação e muita administração. Mesmo assim as vendas iam muito bem para os Chevy e mais uma vez DeLorean subia de posto. Se tornava vice-presidente da divisão de automóveis e de veículos industriais em 1972.
Insatisfeito, inclusive com a vida particular, divorcia-se da segunda esposa e também da GM em 1973. No caso da empresa especulou-se na época que um relatório de sua autoria sobre a qualidade dos carros GM, um documento muito secreto, caiu em mãos erradas e tornou-se público. O todo poderoso Cole sentiu-se forçado a demiti-lo em abril.
Neste mesmo ano também casava-se com a bela modelo Christina Ferrare e pensava em um futuro carro jamais fabricado. Para dar inveja a europeus, americanos e japoneses. Algo novo, inédito em todos os sentidos. Publicamente estava muito bem também e voltava a frequentar as manchetes de importantes jornais e revistas.
Saudoso de antigos projetos próprios não aprovados pela GM como o belo Pontiac Banshee, principalmente da unidade exposta no Salão de Detroit de 1966 em que parte das portas se abria para cima como as do Mercedes Bens 300 SL Gullwing, que contou na época da concepção do protótipo contou com a preciosa ajuda do engenheiro Bill Collins, DeLorean começou a juntar uma boa equipe e dinheiro, pois ia precisar de muito, muito mais que sua fortuna. O carro teria além de uma esportividade fora do comum, muita segurança ativa e passiva. Para o desenho do novo DeLorean, este seria o nome, contou com a prestigiada ajuda de Giorgetto Giugiaro que na época trabalhava nos estúdios da Ital Design em Torino. Este fez os primeiros desenhos e na carroceria em aço inoxidável estava a sigla DSV (DeLorean Safety Vehicle). Dois sócios importantes estavam dispostos na empreitada que não seria fácil: O governo de Porto Rico e o milionário saudita Akram Ojjeh, principal fundador do grupo TAG (Techniques d’Avant Garde) e acionista de importantes empresas do mundo da mecânica nos Estados Unidos e na Europa. Feito um estudo de vendas ficou comprovado que dificilmente o carro venderia bem e a empresa seria lucrativa. Ambos se retiraram.
O ex homem da Pontiac era muito bem relacionado e determinado. Chegou a ter entendimentos com o governo da República da Irlanda em Dublin, mas foi na Irlanda do Norte, em Belfast que conseguiu um local para montar a fábrica de automóveis. O governo ficou entusiasmado, pois ia gerar uma quantidade significativa de empregos. Cerca de 100 milhões de dólares foram gastos na época, o projeto de Collins avançava e recebia preciosa ajuda do mago inglês Colin Chapman.
No final de 1980 foi apresentado no Salão de Birmingham na Inglaterra e os primeiros DMC 12 chegavam ao mercado norte-americano no princípio de 1981 custando mais que o dobro do previsto. O cliente levava-o para casa por 25.000 dólares. Era um carro lindo, muito moderno e relativamente potente. O próprio DeLorean e a esposa Christina Ferrare faziam a publicidade na imprensa.
Ia concorrer com a linha Corvette, com os japoneses Datsun 280 e Mazda RX-7, com os alemães Mercedes Benz 380 SL e os Porsche 911, 924 Turbo e 928. Não teria vida fácil. As vendas começaram muito bem, mas no final de 1981 já estavam péssimas. As coisas iam de mal a pior com funcionários de cargos mais altos saindo da sociedade por vontade própria e o governo britânico enxergando com clareza o fracasso resolveu fechar as portas apesar da insistência de DeLorean de apresentar dois projetos revolucionários de um sedã e até de um pequeno ônibus. Ao todo 7.409 DMC foram produzidos.
Do outro lado do Atlântico, num episódio que nunca ficou claro, que mais pareceu uma cilada armada friamente, DeLorean foi preso e acusado por tráfico de cocaína em Los Angeles. Nada foi provado e o engenheiro sonhador foi solto justamente.
Em 19 de março de 2005, aos 80 anos, John Zachary DeLorean falecia em Summit, em New Jersey não muito longe de sua Detroit natal, vítima de um derrame cerebral e de complicações cardíacas. Estava trabalhando num projeto de um relógio de alto luxo. Como Preston Tucker a história se repetiu e mais um sonho sem sucesso. Seu legado está no filme “De Volta para o Futuro” e em cerca de 6.000 carros originais que ainda rodam.
Sua filha Kathryn Ann DeLorean nascida em 1977 da união com Christina sempre posa orgulhosa na obra eterna do pai.
Texto, fotos e montagem Francis Castaings. Demais fotos de publicação do site
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