Lancia Stratos: Sua estreia em Ralis se deu há 50 anos.

Lancia Stratos: Sua estreia em Ralis se deu há 50 anos.

Extrato da perfeição. Nos anos 70 nascia o Lancia Stratos, o esportivo que gostava de neve, chuva, lama e terra

A obra-prima do estúdio Bertone para os ralis veio da inspiração de um carro futurista — a ponto de  ainda hoje impressionar pelo arrojo, apresentado no Salão de Turim de 1970 pelo renomado   estúdio italiano. O Bertone Stratos parecia vir dos filmes de ficção científica. Seus dois ocupantes ficavam quase deitados e a porta de acesso era a própria armação do para-brisa — ou seja, não havia portas laterais.

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Projetado para substituir o Lancia Fulvia nas pistas, o  Stratos não só cumpriu seu objetivo. Superou o antecessor e foi um grande campeão. A visão lateral, composta de duas janelas retangulares, era bem limitada. O capô traseiro de uma  só peça, que abrigava o motor, tinha forma de um triângulo equilátero, todo frisado, fazendo vários  triângulos menores em relevos diferentes. Um carro de linhas radicais, de excelente aerodinâmica,  obra de Marcello Gandini — autor de modelos especiais como o Alfa Carabo, anos antes, e os  Lamborghinis Miura, Countach e Diablo.

Dessas linhas do carro do futuro nasceu um vencedor das piores estradas, fossem de terra, neve,  lama ou tudo isso junto: o Lancia Stratos, que teria acrescentado ao nome, mais tarde, a denominação HF. O chassi era de Bertone, fabricado na cidade italiana de Grugliasco, e o motor da Lancia, herdado do Fulvia (foto abaixo, na rara configuração de quatro cilindros em “V”), ocupando a posição central.

Marcello Gandini, projetista de Alfa e Lamborghini, criou o  Stratos de Bertone, um protótipo ousado que inspirou o Stratos da  Lancia. Nesta época a Lancia já pertencia ao grupo Fiat e o motor, originalmente envenenado para obter 160 cavalo,  foi trocado depois por um V6 de duplo comando de válvulas originário do Ferrari Dino 246 GT . Este motor no Lancia rendia mais, por este carro ser 200 quilos mais leve do que o   Dino. O Stratos deu início a uma estirpe de carros de rali, como o Audi Quattro, Peugeot 205 T16 e  mais tarde, da mesma fábrica, o Lancia Delta S4. Abaixo à esquerda

A Lancia sempre teve tradição em ralis e queria substituir o Fulvia, que era um sucesso indubitável. A carreira deste já estava no fim e ameaçada por concorrentes fortes como o Porsche 911 e o  Alpine A110. O Stratos chegou e esteve à altura — ou melhor, ultrapassou seu antecessor. Um caso raro em que a versão de competição nasceu primeiro: a de rua só veio para obter homologação da FIA. Mas o Stratos não fez sucesso em corridas de asfalto

Foi anunciado em 1971, mas só entrou em produção em série, para homologação na FIA, em 1974. Era um pré-requisito para correr na categoria Grupo IV. Então foram fabricados 500 exemplares (há  quem duvide desse número, que na verdade estaria entre 450 e 490 carros) para ganhar as ruas. Mas fez sua estreia na pista antes.  

Suas vendas para o público não foram boas. Até 1978 as versões de rua Stradalle que não foram vendidas, podiam ser vistas no pátio da fábrica Bertone, em Grugliasco. Não alcançaram sucesso comercial por causa de restrições de segurança em alguns países europeus (crash-tests, testes de impacto duvidosos,  de pouca conclusão e vidro traseira no formato de persianas). O interior era muito quente e barulhento, o porta-malas pequeno e os vidros das portas eram de correr. Esses detalhes deixavam  seu uso restrito para o dia-a-dia.

Algumas versões de rali recebiam quatro faróis auxiliares, em apoio aos dois  escamoteáveis e dois de milha do modelo original O para-brisa era bastante inclinado, largo, grande e envolvente, em semicírculo, com um só limpador na versão definitiva. Apesar disso, a visibilidade frontal era ótima, a lateral razoável e a traseira bastante precária. A carroceria, de ótima aerodinâmica, vinha dividida em três peças: dois capôs imensos, dianteiro e traseiro, em poliéster e cabine.

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O acesso ao motor era ótimo, graças ao enorme ângulo de abertura. As portas eram muito grossas e por dentro tinham espaço reservado para os capacetes. Inusitado.

Esta carroceria misturava chapas de aço, que faziam parte do chassi, e fibra de vidro (frente, portas e capô traseiro). Do desenho na prancheta ao modelo de série, o carro foi muito pouco modificado. Seu estilo era inconfundível, próprio. Um carro muito bonito, com desenho bem avançado para a época. Com o passar do tempo o motor V6 ganhou potência: de 160 para 245 cavalos na versão de rua! 

Os faróis escamoteáveis sobre o capô, que tinha quatro seções de entrada de ar, contavam com a ajuda de mais dois de milha ladeando a grade. Em algumas versões de rali ganhava mais quatro redondos, enormes. Na traseira as lanternas eram redondas e amplas. No teto, um pequeno aerofólio canalizava o ar sobre a tampa do motor e para o aerofólio traseiro, garantindo mais estabilidade. Nos primeiros modelos estes artefatos não estavam disponíveis. 

A direção era muito rápida e o freios a disco vinham da famosa marca Girling, à época fornecedor da  Fórmula Um. O famoso fabricante italiano Campagnolo fornecia as rodas de liga de alumínio forjado,  em várias medidas de largura. Usava pneus Pirelli Cinturato CN36 ou Michelin XWX. Havia dois tanques centrais, com capacidade perto dos 85 litros. O consumo da fera era de 7 km/litro quando  dirigido com calma. Com entusiasmo crescia sensivelmente. 

A traseira peculiar, com persiana no vidro traseiro e grandes lanternas redondas, foi muito vista pelos concorrentes do Stratos nas pistas…


Nas pistas

Era um monstro sagrado dos ralis da célebre escuderia italiana, chefiada por Cesare Fiorio, diretor esportivo da fábrica. Também faziam parte desta equipe o engenheiro Gianpaolo Dallara e Mike  Parkes, também engenheiro e piloto, que ajudaram nos acertos da máquina. Com distância entre-eixos reduzida, o Stratos era excelente em curvas fechadas, o rei do baile quando a aderência era mínima. Gostava de neve, terra, areia e barro. Não faria feio hoje frente aos carros da categoria WRC (World Rally Championship – Campeonato Mundial de Rali). É certo que estes são mais rápidos, mas sem o mesmo charme e maneabilidade.

Poderia surpreender em curvas fechadas mesmo a pilotos talentosos. Tinha suas manhas. Mas em   retas e curvas longas e abertas asfaltadas era uma negação, apresentando problemas de  estabilidade direcional.

A insólita abertura do capô era um  entre muitos detalhes do protótipo (vide miniatura).

Em sua estreia, na Volta da Córsega em 1972, Sandro Munari abandonou com a suspensão quebrada. A primeira vitória veio no Rali da Espanha em 1973. Neste mesmo ano conseguiu o  segundo lugar absoluto na 47ª edição de Targa Florio e, com Munari outra vez, venceu a Volta da França e a Volta da Sicília.

Em 1974, conquistou a vitória no Rali da Sicília. Também ganhou, com uma versão de 24 válvulas e  300 cavalos, nas mãos de Gerard Larrouse, novamente o Rali de Targa Florio. Com Munari, venceu ainda o Rali de San Remo disputado do dia 1º a 5 de outubro.

Em 1975 ganhou os ralis de Monte Carlo, San Remo e o 1.000 Lagos da Suécia. Chegou em segundo no Safári, mas nunca venceu esta prova. Na temporada seguinte o sucesso continuou, com vitórias em Monte Carlo, Portugal, a Volta da Córsega e o San Remo. O campeonato ficou três vezes consecutivas com a casa italiana. O carro era imbatível e isso afugentou algumas fábricas  concorrentes.

Em 1977 a Fiat estava com o projeto do 131 Abarth pronto para ganhar as estradas difíceis, e disposta a dar força a este e aposentar o Stratos. Mesmo assim, o Lancia conseguiu a vitória outra vez, algumas com Munari, e também chegou em primeiro no Rali Total da África do Sul.

Dois anos depois, Bernard Darniche fez a despedida gloriosa e conseguiu a última vitória do Lancia  Stratos no Rali de Monte Carlo. Concorria com os poderosos Fiat 131 Abarth, Alpine A110 e Opel  Kadett GSE (equivalente a nosso primeiro Chevette).

De 1973 a 1977, um carro quase  imbatível nos ralis. A pequena distância entre-eixos e o motor  V6 davam ao Lancia extrema agilidade

Não se deu tão bem em circuitos de pistas de asfalto. Teve a distância entre-eixos aumentada e  isso comprometeu o projeto original. Perdeu muito da agilidade das pistas de rali e tinha  concorrentes de peso, como Porsche 911 e Alpine A310. Sua homologação expirou em 1982.


Ficha técnica

Stratos Stradalle (versão de rua) 1974/1975 

  • MOTOR – central, 6 cilindros em V; 2 válvulas por cilindro. Cilindrada: 2.400 cm³. Três carburadores de corpo duplo Weber 40. Potência máxima: 160 cavalos a 7.700 rpm (com versões   posteriores de 190 e 245 cavalos). Torque máximo: 23 mkgf a 4.800 rpm.
  • CÂMBIO – manual; 5 marchas; tração traseira.
  • FREIOS – dianteiros e traseiros a disco ventilado.
  • DIMENSÕES – comprimento, 3,71 m; peso, 980 quilos.
  • DESEMPENHO – velocidade máxima, até 230 km/h (dependendo das relações de marcha); aceleração de 0 a 100 km/h, 6,8 segundos.

Em escala

A Martoys italiana fez uma bela miniatura em 1/24, com muitos detalhes, nos anos 80. A decoração é do patrocinador Marlboro e a cor de fundo é vermelha. Portas e capô traseiro se abrem e as rodas esterçam. As menores escala 1/43 são da Salvat.

Texto, fotos e montagem:  Francis Castaings – Demais fotos:  Jacqueline Casamayou, Organizações Peter Auto, Les Grandes Heures Automobiles, acervo Bernard Darniche, Salão Rétromobile e Epoqu’auto

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