Stirling Crawford Moss: O Cavalheiro dos Vices
Infelizmente no mundo de hoje se dá muita importância a quem venceu a quem foi o campeão. O antigo ditado o importante é competir não tem tanto valor. O esportista que chegou em segundo lugar é sempre colocado em segundo plano e logo esquecido. Não é elogiado e poucos percebem suas qualidades.
Na história recente da Formula Um temos o brasileiro Rubens Barrichello com uma brilhante carreira, nenhum campeonato mundial vencido e dois vices, um em 2002 e outro em 2004. Se voltarmos mais no tempo, podemos citar, um grande campeão que foi o belga Jacky Ickx. Foi vencedor seis vezes das 24 Horas de Le Mans, primeiro no Paris-Dakar em 1983 e ganhou várias provas do mundial de marcas. Mas nunca ganhou um campeonato na Fórmula Um e foi vice em 1969 e 1970.
Um piloto da época de ouro da Fórmula Um que nunca foi campeão mundial foi o inglês Stirling Moss. Nascido em setembro de 1929 em Londres já tinha gasolina nas veias, pois o pai Alfred Moss tinha participado das 500 Milhas de Indianápolis nos Estados Unidos cinco anos antes dele nascer. A família gostava de motores e rodas, pois até sua irmã Pat Moss, nascida em 1934, honraria a família nos ralis e em provas de longa duração na Europa e a mãe Aileen também teria seu nome escrito no Real Automóvel Clube da Grã-Bretanha.
Com dezoito anos de idade começou a competir com um esportivo BMW 328 ( Abaixo) em ralis locais, mas foi com a ajuda paterna começou sua carreira aos 19 anos de idade pilotando um Cooper Jap com 500 cm³.
Era o primeiro produto da Cooper e usava motor do Fiat Topolino. Tratava-se de um monoposto com carroceria de alumínio e chassi tubular extremamente leve e rápido. Com pneus finos, aros de 15 polegadas e posto de pilotagem muito “aberto” correspondia a Fórmula três na época e não era um veículo fácil de conduzir exigindo muita habilidade. Muito patriota, em toda sua carreira seria muito fiel aos carros de origem inglesa, mas correu por equipes de outras nacionalidades apenas quando percebia que seus patrícios não estavam à altura em termos de equipamento.
Em 1950, aos 21 anos, vencia o famoso Tourist Trophy em Dundrod, condado de Ulster, debaixo de uma chuva torrencial, a bordo de um Jaguar XK 120. Em princípio a empresa não queria que Moss pilotasse o carro, pois já tinha fama de se arriscar muito. O mais interessante foi que o piloto ajudou no desenvolvimento do carro (abaixo) batendo recordes na pista francesa de Montlhéry. Por estes atos foi observado por donos de equipes grandes, pois o jovem tinha muito talento.
Neste mesmo ano era contratado pela equipe britânica HWM de John Heath e George Abecassis. Pequena, mas especialista em preparação e muito competente esta empresa existe até hoje. O carro era equipado de um motor da Alta Car and Engineering Company e tinha quatro cilindros em linha e desenvolvia cerca de 230 cavalos. Na época se dedicava também às mecânicas de Jaguar e Aston Martim. Moss corria na Fórmula 2 e na Fórmula Livre por esta equipe, mas continuava a trabalhar na Fórmula 3 com seu Cooper-Jap. Em toda sua carreira mostrou-se muito versátil correndo em várias categorias. Até a década de 70 era muito comum um piloto de Fórmula Um também mostrar seu talento em outras competições que não fosse a maior.
Em 1952 Stirling Moss corria na Fórmula três pela Kieft, outra pequena equipe inglesa e venceu no carismático circuito de Goodwood situado no sul da Inglaterra e que serviu de aeroporto a RAF (Royal Air Force) na Segunda Grande Guerra Mundial. Entre 1948 e 1966 foi palco de provas oficiais e hoje faz parte do calendário de provas importantes de VHC (Veículos Históricos de Competição). Neste mesmo ano o nacionalismo de Moss falou mais alto que a razão. Recebeu convite do próprio Enzo Ferrari para correr em sua equipe e recusou. Além da Escuderia estavam concorrendo a Maserati, a Alfa Romeo, a Gordini, Connaught-Alta, a Frazer, a Cooper e várias com motor Offenhauser.
Em 1954 o regulamento permitia motores atmosféricos com até 2.500 cm³ ou 750 cm³ com compressores. Moss era contratado pela Maserati para pilotar o 250 F e teria como colega de equipe ninguém menos que Juan Manuel Fangio (saiba mais) que já havia conquistado um campeonato mundial e estava com muita credibilidade.
Moss não se intimidou, ficou muito amigo do grande argentino e dentre os 26 pilotos inscritos no campeonato mundial ficou em décimo terceiro lugar.
No ano seguinte iria para a Mercedes a convite de Alfred Neubauer. Faria dupla novamente com o homem de Balcarce e conquistaria sua primeira vitória em terras inglesas na cidade de Aintree. Era o primeiro grande prêmio neste circuito perto de Liverpool e o Mercedes W196 cruzara a linha de chegada em primeiro a uma média horária de 139 km/h. Neste ano Fangio ganhou o campeonato vencendo quatro provas com 41 pontos e Moss ficou com seu primeiro vice-campeonato com 23 pontos. Mas também neste ano ganhava a famosa corrida Mille Miglia com um Mercedes 300 SLR tendo como co-piloto o jornalista Denis Jenkinson.
Em 1956 Fangio ia para a Ferrari e Moss para a Maserati pilotar o carro vermelho 250 F que se tornaria um de seus preferidos em toda sua carreira.
Na segunda prova da temporada, em Monte Carlo, Moss venceria sua segunda prova na Fórmula Um dando uma demonstração de pilotagem. Com a frente do carro 28 um pouco amassada chegava com muito orgulho a frente de Fangio numa das provas de maior prestígio da temporada. Fechando esta, em setembro, ganhava pela Maserati em sua terra natal no autódromo de Monza. E pela segunda vez era vice na temporada.
O ano de 1957 chegava e o coração do piloto bateu mais forte pela velha Inglaterra e ele foi disputar o campeonato pela Vanwall empresa cujo proprietário era o empresário Tony Vanderwell que também era dono da Thinwall. Assim como a Itália tinha seus carros com as cores vermelhas, os franceses com o azul, a Inglaterra desde os Bentley na década de 20 tinha a cor verde escuro como oficial. O fórmula com motor dianteiro de 2.489 cm³ desenvolvia cerca de 240 cavalos. Era um carro bonito e com aerodinâmica bem estudada. A armada italiana da Maserati era composta por Fangio, Jean Behra, Harry Schell e Carlos Menditeguy. Junto com o Argentino, Moss era considerado tão competente quanto, porém mais uma vez ficou em segundo lugar no campeonato vencendo na Itália em Pescara e Monza. Seu colega de equipe, Tony Brooks, ficou em quinto e ambos venceram também o Grande Prêmio da Inglaterra já que o campeonato permitia que o bólido fosse usado por dois pilotos.
O campeonato de 1958 demonstrava que a Fórmula Um naquela época, além de ser um esporte para homens extremamente hábeis, também era ambientado por caráter, dignidade e hombridade. Fangio se retirava e a batalha pelo título estava entre Stirling Moss, Maurice Trintignant, Tony Brooks, Mike Hawthorn e Peter Collins. A exceção do francês que corria com um Cooper-Climax, todos eram britânicos e Hawthorn acelerava uma Ferrari. O americano Phil Hill estreava na equipe do Comendador num ano que seria trágico para a equipe de Maranello. Perderia em acidentes fatais os pilotos Luigi Musso e o jovem Peter Collins.
Neste ano Stirling Moss venceria em Buenos Aires, Zandvoort na Holanda e em Ain-Diab no Marrocos. Hawthorn havia vencido na França, acumulava bons resultados em ambos estavam em condições de vencer o campeonato, pois a diferença era de apenas um ponto entre ambos.
No último Grande Prêmio, na cidade do Porto em Portugal, Hawthorn estava na frente, fez a volta mais rápida, mas rodou e o carro morreu. Empurrou seu carro pelo canteiro em contramão, conseguiu liga-lo, retornou a pista e seguiu. Na comemoração pelo campeonato soube que a mesma estava impugnada, os dirigentes não haviam visto o que ocorrera e o desclassificaram. Moss era campeão… mas foi até os homens e contou que o procedimento feito pelo patrício havia sido correto após a rodada. Perdeu o campeonato, mas não a honra. Foi dormir tranquilo e com mais um vice-campeonato. Não se arrependeu. Quanto a Vanwall, ganhava a primeira copa dos construtores.
Em 1959 o piloto inglês correria pela Cooper-Climax que tinha o motor posicionado na traseira. Muito hábil Moss não teve dificuldades em se adaptar.
A disputa do campeonato estava entre Tony Brooks, Jack Brabham e Moss. Os dois ingleses trocaram de equipe e carros duas vezes na temporada. Stirling Moss ganhou em Portugal e na Itália terminado em terceiro lugar atrás de Brooks e o neo-zeolandês Brabham conseguia seu primeiro campeonato.
Neste mesmo ano Moss ganhava os 1.000 Quilômetros de Nürburgring com um Aston DBR1. Pilotava tão bem, em várias categorias que se adaptava muito bem as mudanças. Nesta época era muito comum a polivalência de um piloto.
Nova década, novo equipamento. Moss estava na Lotus de Colin Chapman com motor Coventry Clímax de 2,5 litros que desenvolvia 240 cavalos. Com este monoposto deu a primeira vitória a Lotus na segunda prova do campeonato em Mônaco. Seu companheiro de equipe era Robert McGregor Innes Ireland que também era muito rápido. Na quinta prova, na Bélgica, Moss sofre um acidente grave que machucaria bastante suas pernas. Comprometeu o campeonato. Venceu, outra vez no final do ano em Riverside nos Estados Unidos e ficou em terceiro no campeonato.
Em 1961 o piloto londrino continuava fiel à equipe privada de Rob Walker e faria a temporada com um Lotus 18 já ultrapassado, pois a nova versão 21 entrava em cena. Tornaria a ganhar em Mônaco e também no inferno verde em Nürburgring num campeonato que foi disputadíssimo. Outra vez em terceiro lugar atrás do americano Phil Hill e do alemão Wolfgang von Trips ambos com a Ferrari.
No ano seguinte, devido a ótimas relações com o Comendador Enzo Ferrari, correria o Campeonato Mundial de Marcas com um Ferrari 250 GT SWB (acima), mas em condições não oficiais e ganharia novamente o Tourist Trophy em Goodwood. Neste mesmo circuito, numa prova extra-campeonato em abril, pilotando o Lotus e disputando posição com Graham Hill, sofria um grave acidente. Teve múltiplas fraturas, ficou em coma durante semanas e não disputou mais provas em 1962.
Restabelecido após várias fisioterapias, a titulo de teste voltou a pilotar um carro de corridas no mesmo traçado de Goodwood no ano seguinte em 1963. Era uma auto-avaliação e Stirling Moss não ficou satisfeito preferindo abandonar as pistas.
Ao todo foram dezesseis provas de Fórmula Um vencidas, quase um quarto das que disputou entre 1951 e 1961 e varias em outras categorias incluindo o campeonato mundial de marcas.
Nunca ganhou um título, mas era considerado tão bom quanto Fangio. Modesto, sempre considerou o amigo melhor e mais completo. Escreveu o prefácio do livro sobre a vida de Fangio que fez parte do Pirelli Álbum com colaboração da Mercedes-Benz e é presença simpática constante em provas de veículos históricos de competição logicamente competindo. Muito admirado pelo seu povo foi agraciado em 2000 com o título de Sir pela Rainha Elizabeth II. Abaixo ao lado do piloto inglês James Hunt
É presença constante no Festival de velocidade de Goodwood que anualmente ocorre no Condado de Sussex no oeste da Inglaterra. Também comparece em grandes eventos do antigomobilismo internacional. O dinamismo deste Lord é impressionante.
Sir Stirling Moss completou 90 anos em 17 de setembro de 2019. Faleceu em 12 de abril de 2020, Mayfair, Londres,
Abaixo testando um Alfa Romeo Monteal. Saiba mais
Texto e montagem: Francis Castaings. Fotos de publicação e dos arquivos do grande fotógrafo francês Bernard Cahier. – Demais fotos são da Organização Peter Auto publicadas neste site na página de Veículos Históricos de Competição – VHC
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