O Penta de Balcarce: Juan Manuel Fangio
Um dos maiores nomes de todos os tempos nas pistas do mundo é pouco conhecido fora da Argentina e de novos torcedores da Formula Um. Aqueles que nasceram na década de 80 ou depois pouco ouviram falar de um homem fabuloso dentro e fora das pistas. Este era Juan Manuel Fangio, grande destaque no mundo das rodas mecânicas. Nossos vizinhos têm muito orgulho de um homem que honrou sua pátria nas pistas de corridas dentro e fora de seu país natal. Não esquecem e sempre fazem reverências ao grande Fangio, conhecido também pelo carinhoso apelido de “El Chueco” (O Manco). Ele foi o Penta Campeão Mundial de Fórmula Um ultrapassado em número de campeonatos apenas recentemente pelo alemão Michael Schumacher. Fangio nasceu em 24 de junho de 1911 na pequena cidade de Balcarce a cerca de 400 quilômetros ao norte da capital Buenos Aires.
De origem italiana, desde criança mostrou-se pouco estudioso, porém muito curioso em mecânica, mas também gostava de futebol. Por causa das pernas arqueadas recebeu apelido de Manco quando jogava futebol servindo ao time de sua cidade. O primeiro carro que viu foi um monocilindro de um vizinho e logo ficou encantado. Foi aconselhado pelo pai a estudar para entender bem o que era aquela máquina. Seu primeiro contato foi como aprendiz de mecânico em um concessionário Rugby, marca americana que pertencia a Durant Motors. Com apenas 12 anos dirigiu um com carroceria especial feita em alumínio. Foi paixão imediata. Um ano depois já tinha o cargo de Mecânico Aprendiz em uma concessionária Studebaker. Muito dedicado e competente, aos quatorze anos era Mecânico Montador.
Fez durante a vida várias amizades sinceras e duradouras. Umas das primeiras foi com o corredor Miguel Viggiano com quem trabalhou como mecânico, usando músculos, mas também massa cinzenta. Com poucos recursos ambos tornavam as máquinas mais rápidas. Deste ganhou uma motocicleta da marca Indian que foi a primeira fábrica de motos americana. Pouco depois experimentou e gostou de um Overland de quatro cilindros. Tinha quinze anos e não ia mais a escola! Nem tudo era maravilhoso na adolescência dele. Tinha problemas renais e também pulmonares que o perturbavam quando trabalhava fazendo esforço físico por muito tempo. Já maior de idade e com o serviço militar concluído em Buenos Aires Juan aos poucos se iniciava nas competições como mecânico co-piloto em carros de amigos e corridas longas por estradas nem sempre boas. Estava junto do amigo Manuel Ayerza a bordo de um Chevrolet 1928.
Mas seu sonho era mudar de lado, dirigir um carro numa competição. Sua estreia se deu com um Ford Modelo A 1929 em outubro de 1936. A carroceria era especial, tinha o número 9 pintado no capô que era preso por cintos. Tudo no carro, pneus novos, o estepe e outras peças foram cotizadas por amigos e parentes. Até o conselheiro municipal de Balcarce participou. Para nenhum dos familiares ficasse sabendo correu com o pseudônimo de Rivadavia, que era o mesmo nome de seu time de futebol em Balcarce. Foi repreendido pelo pai, não por ter corrido e sim por ter mentido. Nesta o objetivo não era ganhar e sim fazer publicidade da oficina que e equipe de Fangio trabalhava. Nesta época, Toto apelido de seu irmão mais novo Ruben, já participava. Em 1938 já estava pilotando em provas maiores na cidade litorânea de Necochea. Em circuitos especiais, ao lado do companheiro Bianchilli, Fangio pilotou um Ford V8 1934 com motor 1938 numa prova, que seria sua primeira oficial e, entre vinte e quatro concorrentes terminou em quinto. Também neste ano participou de sua primeira Carretera, provas de longas distâncias muito afamadas em território argentino a bordo de um Ford Cupê. A carreira já estava em andamento. Com este mesmo carro participou da Prova Grande Prêmio Circuito Sul Americano com etapas em no Brasil na região sudeste, na Argentina, no Peru, Equador, Colômbia e Venezuela. Foram mais de 7.389 quilômetros. O grande Juan Manuel e Luis Finochietti terminaram em quinto lugar.
Em 1939 Fangio com ajuda de um amigo trocaria de carro. Na Concessionária Chevrolet Alonso de sua cidade estava exposto um belo Master Businees cupê (Saiba mais), ano 1938 da marca da gravata. No ano seguinte viria sua primeira consagração. Com para-lamas cortados, motor alterado este Chevy enfrentou a duríssima corrida de estradas, o Gran Premio Internacional del Norte de 1940 organizado pelo Automóvel Clube da Argentina (ACA). Com extensão de 9.445 quilômetros, em diversos tipos de estrada, na maioria péssimas, um verdadeiro Off-Road, saindo de Buenos Aires com destino a Lima, no Peru. Foi ida e volta, a média horária foi de 130 km/h, duraram duas semanas e foi vencida por Fangio. Em outra corrida, as Mil Milhas Argentinas, Fangio ficou em oitavo lugar e neste ano sagrou-se campeão argentino na categoria.
No ano seguinte, com o mesmo Chevrolet, veio ao Brasil e ganhou o Grande Premio Getulio Vargas. Em seu país tornou a ganhar provas importantes tornando-se Bi-campeão na categoria. Já mostrava ser muito rápido tanto em piso seco quanto molhado.
Em 1941 repetia o campeonato e em 1942 ganhou, pilotando o Chevrolet, a corrida no Circuito Mare e Monti. Durante cinco anos no mundo inteiro as corridas foram interrompidas por causa da Segunda Grande Guerra Mundial. Neste tempo de economias e racionamentos Fangio estava mais focado em sua oficina em Balcarce.
Em junho de 1946 tomava posse na Argentina o Presidente Juan Domingo Perón que era muito popular e um entusiasta do esporte a motor e também era criada a categoria Mecânica Nacional onde poderiam participar monopostos modificados. Um muito interessante construído pelos irmãos Fangio foi um Ford T com motor Chevrolet de quatro cilindros. Após modificações na suspensão, no chassi e na carroceria receberia um novo motor Chevrolet com seis cilindros em linha, cerca de 90 cavalos que obtinha a velocidade máxima de 170 km/h. Por causa da cor, tinha o apelido carinhoso de ”La Negrita”.
Ganhou em 1947 uma corrida e tirou dois terceiros lugares em seis provas disputadas com carros bem mais modernos e potentes. Neste ano, em treze corridas disputadas em solo argentino, algumas com participação de pilotos internacionais. Usou também um Volpi-Chevrolet preparado pela sua oficina e encerrou a temporada com um Chevrolet TC.
Em 1948 participa de provas em Buenos Aires, Rosário e Mar del Plata ora pilotando um Maserati de 1.500 cm³ ora um Simca-Gordini de 1.220 cm³. No mês de julho do mesmo ano, na França, na cidade de Reims, pilotava um Simca-Gordini mais potente com 1.430 cm³. Começava a carreira internacional de El Chueco.
No ano seguinte participou de provas tanto na Argentina quanto na Europa. Em seu país usava o Volpi-Chevrolet para correr na categoria de Carros Especiais e o Chevrolet TC na de Carreteras. Na Europa chegava em primeiro lugar em San Remo na Itália com um Maserati 4 CLT/48, em Pau, Perpignan e Albi na França com o mesmo carro. Em Marselha ganhou com um Simca-Gordini e novamente na Itália, em Monza, com uma Ferrari Tipo 166 F2. Suas qualidade estavam mais que provadas. Estava com o compatriota José Froilan Gonzalez, eram grandes amigos e iriam enfrentar grandes como os italianos Alberto Ascari, Achille Varzi, Luigi Villoresi, os franceses Maurice Trintignant e Jean-Pierre Wimille (morto no mesmo ano) e o inglês, bem mais jovem que todos estes, Stirling Moss.
Em 1950 já era contratado da italiana Alfa Romeo para a temporada Europeia do 1º Campeonato Mundial de Fórmula Um, mas participou em outras categorias na Europa e na Argentina. Ao todo foram cerca de 29 corridas sendo que venceu 11 delas. Ficou em segundo lugar no Campeonato de Fórmula Um, atrás de Emilio Giuseppe “Nino” Farina.
Ambos correram com um Alfa Romeo 158 e sua primeira vitória na categoria máxima foi em Monte-Carlo. Também ficou na mesma posição no Campeonato Argentino para na categoria Carros Especiais. Utilizou várias marcas como Talbot-Lago 4500 nas 24 Horas de Le Mans dividindo o carro com Louis Rosier, uma Ferrari Tipo 166 e o Simca-Gordini. Já estava com 39 anos de idade, não estava tão esbelto como no princípio de sua carreira e tinha dificuldades com línguas estrangeiras, principalmente o inglês e o alemão. Mas era rápido nos testes de classificação e nas corridas. Conta-se que uma vez um concorrente chegou irritado ao box de sua equipe com o desempenho do carro. Fangio assistindo tudo pediu para dar uma volta. Bateu duas vezes o recorde do circuito e, apesar de ser muito elegante e cortês, gsoltouh que o carro não estava tão ruim.
Em 1951 corria na terra natal com um Mercedes-Benz W163 terminando o ano em segundo lugar. E na Europa, venceu em Berna na Suíça, em Reims na França, em Bari na Itália e também em Barcelona na Espanha. Ficou em segundo em Silverstone na Inglaterra e em Nürburgring na Alemanha. Ganhava seu primeiro título mundial e era o primeiro latino americano a ter tantos êxitos em corridas de automóveis fora de seu país. O carro, um Alfa Romeo 159 vermelho, tinha 1.476 cm³ e desenvolvia cerca de 420 cavalos a 9.600 rpm.
Todos estavam admirados com sua técnica em pilotar principalmente fazendo curvas. O homem era simplesmente um fenômeno. Era uma época onde os carros andavam a 280 km/h, as médias eram muito altas e a segurança baixíssima. Não tinham freios eficazes, o carro era muito duro em termos gerais, os autódromos e circuitos sem área de escape e os pilotos não tinham cinto de segurança a disposição e o capacete nada mais era que um gorro aeronáutico melhorado. Uma época de heróis sobre rodas. Apesar de ser considerado um homem equilibrado e sensato, em 1952 Fangio descuidou de suas várias qualidades. Fez várias corridas no primeiro semestre com um Ferrari 166 C em São Paulo, no Rio de Janeiro no Circuito da Gávea e na Quinta da Boa Vista, no Uruguai e em Buenos Aires. Ganhou todas. De volta a Europa fez a provas Goodwood na Inglaterra, a Mille Miglia na Itália e outra em Albi na França.
Em junho estava em Ulster na Irlanda pilotando um BRM com dezesseis cilindros em “V” e deveria estar no outro dia em Monza na Itália para correr com seu Maserati A6GCM. O avião, por causa de péssimas condições meteorológicas, pousou em Paris. Nesta cidade partiu de carro indo até Monza na Itália a tempo de se posicionar no grid de largada. Na corrida, sofreu um terrível acidente, foi engessado da cintura até o pescoço e quase ficou paralítico. O capacete, mais aperfeiçoado, guardou as marcas da gravidade.
Em 1953 retornou as pistas, ganhou cinco corridas em 24 concorridas em diversas categorias sendo que uma das principais foi a IV Carrera Panamericana com um Lancia D24 Sport. Este carro tinha 6 cilindros em ”V” 3,3 litros com duas velas por cilindro, era alimentado por três carburadores Weber e sua potência era de 245 cavalos a 6.500 rpm.
Em 1954 correu o campeonato de marcas com a Lancia D24 e começou a Fórmula Um com um Maserati 250 F ganhando na Argentina e na Bélgica, mas já estava contratado pela Mercedes-Benz e tinha seu talento reconhecido pelo poderoso chefe de equipe Alfred Neubauer.
Ganhou quatro corridas com o Mercedes W196, tirou um segundo lugar, um terceiro e conquistava seu segundo campeonato mundial. O motor deste que tinha um perfil aerodinâmico muito melhor que os concorrentes tinha 2.981 cm³ e sua potência na temporada variou entre 290 e 340 cavalos a 10.000 rpm. Apesar do trauma do acidente, estava totalmente recuperado. Famoso por suas frases, dizia que tinha que correr o mais devagar possível para ganhar e não morrer. Sabia pilotar sem maltratar um carro. Tinha movimentos leves e seguros. Seus concorrentes eram Peter Collins, Alberto Ascari. Piero Taruffi, Jean Behra, Eugenio Castellotti, Mike Hawthorn e Stirling Moss.
Em 1955 as provas de marcas eram feitas com o esplêndido Mercedes 300 SLR e as de Fórmula Um com o W196. Com o 300 SLR ganhou no Inferno Verde como era conhecido o circuito de Nürburgring e também o Grande Prêmio da Suíça. Ganhou cinco provas e o terceiro título mundial. Porém neste ano a Mercedes se retirava das pistas após o grave acidente em Le Mans que vitimou o piloto Pierre Levegh e cerca de 80 espectadores. Por causa deste acidente e de outros, observando claramente os riscos da categoria, já pensava em parar.
Em 1956 estava com o Lancia Ferrari com oito cilindros em ”V” a 90 graus e 2.489 cm³ de cilindrada. Sua taxa de compressão era de 11,9:1 e era alimentado por quatro carburadores Solex. Sua potência era de 275 cavalos a 8.000 rpm. Sua carroceria era em alumínio e seu peso era de apenas 625 quilos. Fangio chegava nas grandes retas a 300 km/h. Conquistava o quarto título mundial e havia vencido os Grandes Prêmios de Buenos Aires, o de Siracusa na Itália, na Bélgica, na França, na Inglaterra, na Alemanha e na Itália.
Em 1957 voltava a correr para uma de suas marcas preferidas. O ano começava bem com a Maserati 250 F ganhando o Grande Prêmio de Buenos Aires. E novamente ganhou quase todas as provas e conquistou seu quinto titulo mundial. Este carro com motor de seis cilindros em linha, pesava 630 quilos e media 4,06 metros. Seu motor tinha 2.494 cm³ e potência de 275 cavalos a 8.000 rpm. A prova mais disputada e inesquecível foi a do Grande Prêmio da Alemanha em Nürburgring em 4 de agosto. Largou em terceiro no grid atrás das Ferraris de Hawthorn e Collins. Estas estavam com pneus especiais que não necessitariam de troca e os tanques de gasolina eram suficientes para os 501 quilômetros de prova. Ele teria que parar e também pisar muito para poder ganhar seu quinto campeonato. Na volta 14 estava a 49 segundos dos Ferraris. Forçando ao limite, bateu sucessivos recordes de volta sendo que na vigésima passou Collins e ficou a 3 segundos de Hawthorn. A volta mais rápida do argentino se deu em 9 minutos e 28 segundos a média de 144 km/h. Ganhou a corrida a frente de Hawthorn a apenas 3 segundos e 6 décimos. Era mais uma vez o grande campeão no alto de seus 46 anos de idade. Os ingleses Hawthorn e Collins estavam com 26 e 28 respectivamente. Foi saldado por uma multidão, abraçado pela dupla inglesa da Ferrari e recebeu até um prêmio especial dos dirigentes alemães da prova.
Em 1958, já cansado participou de poucas provas, tornou a ganhar na Argentina com o Maserati vermelho 250 F e o mais curioso foi que, em Havana, Cuba, foi sequestrado pelos seguidores de Fidel Castro. O objetivo era chamar atenção para o presidente Fulgêncio Batista. Os guerrilheiros não o maltrataram e tudo terminou bem, porém Castro disse uma vez que “Os civis nunca deveriam ser sequestrados”, mas esqueceu-se de Fangio. Havia terminado oficialmente sua carreira na Fórmula máxima do automobilismo com muito brilho no Grande Prêmio da França em Seis de julho de 1956. Foi cinco vezes campeão mundial em quatro marcas diferentes.
Voltou a correr nas 84 Horas de Nürburgring com uma equipe argentina com os Ika-Torino. Participou da Missão Argentina em numa corrida polêmica. Sempre acompanhou a Fórmula Um e gostava muito dos pilotos brasileiros. Era amigo também do compatriota Carlos Reutemann e muito do concorrente inglês Stirling Moss (Abaixo à direita).
Fangio morreu aos 84 anos em 17 de julho de 1995. Seu maior legado foi a humildade, honestidade e seu grande caráter além de ser um grande ser humano.
Homenagem em Buenos Aires
A placa
Parte de sua história e seus carros estão hoje no Museu de Balcarce e no ACA (Automóvel Clube da Argentina ).
Fotos de divulgação: Bem acompanhado em 1958, o Mercedes-Benz SL (leia mais) no Museu de Balcarce, com Jackie Stewart, com o grande ator e piloto Steve McQueen nas filmagens das 24 Horas de Le Mans em 1971 e com Ayrton Senna e Jack Brabham.
Texto, fotos e montagem: Francis Castaings. Fotos de publicação e dos arquivos do grande fotógrafo francês Bernard Cahier. – Demais fotos são da Organização Peter Auto publicadas neste site na página de Veículos Históricos de Competição – VHC
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